segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

IPHAN busca o passado em Jaguarão


Até o dia 4 de fevereiro devem estar concluídas as escavações junto às ruínas da Enfermaria Militar. Dez profissionais trabalham de domingo a domingo, desde o início do ano, e dividem-se entre analisar a arqueologia da arquitetura - para identificar as alterações na construção de 1883, ao longo do tempo - e buscar vestígios de um forte que teria começado a ser erguido no Cerro da Pólvora, o segundo ponto mais alto da cidade. É um processo imprescindível, para tirar do papel as obras que irão restaurar a antiga enfermaria e transformá-la no Centro de Interpretação do Pampa. É a primeira ação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Jaguarão, desde o tombamento do conjunto histórico e paisagístico, em final de dezembro.

Com a distinção, a cidade iguala-se a Santa Tereza, na Serra, e torna-se o segundo território gaúcho a receber o reconhecimento como Paisagem Cultural.

Neste domingo (23) e segunda-feira, portanto, a edição impressa do Diário Popular traz a palavra de lideranças da comunidade e mostra como o município de fronteira com Rio Branco, no Uruguai, prepara-se para investir na vocação turística.

Fonte: http://www.diariopopular.com.br/site/content/noticias/detalhe.php?id=1&noticia=32571

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

IPHAN anuncia tombamento do centro histórico


O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) notificou o tombamento do conjunto histórico e paisagístico de Jaguarão, que abrange mais de 800 imóveis do centro da cidade e ainda uma área de entorno. Segundo o Prefeito Cláudio Martins (PT) a informação foi bem recebida no município, pois dialoga com o desenvolvimento social e econômico da cidade.

Ao mesmo tempo, irão começar as obras do Centro de Interpretação do Pampa, nas ruínas da Enfermaria Militar, e neste final de ano será encerrada a primeira etapa das obras de restauro do Teatro Esperança, com recursos do Iphan.

O Diretor de Patrimônio Histórico, Alan Melo, destaca que a aprovação de projetos arquitetônicos no perímetro abrangido pelo tombamento dependerá de aprovação do Iphan e isto já vem sendo tratado com o Instituto.

Na próxima semana o arquiteto José Geraldo Vieira da Costa estará em Jaguarão para tratar dos procedimentos que serão adotados; a médio prazo poderá ser instalado um escritório do Iphan na cidade.

http://www.diariopopular.com.br/site/content/noticias/detalhe.php?id=1¬icia=31597

Ir a Jaguarão e descobrir o resto do mundo


Texto de Aldyr Garcia Schlee*

Ir a Jaguarão não é fácil; mas compensa.

Antes, quando eu era um guri, ir a Jaguarão era voltar para casa: de trem, carro-motor, avião ou barco a vapor. Chegava-se (do Brasil ou do Uruguai) com o coração apertado pela magia do reencontro e o medo do desencontro, ao adivinhar os velhos telhados despontando entre campo e arvoredo; e logo logo, ao divisar o casario estendido igual dos dois lados do rio - a Ponte no meio -, com a esperança de que aqui e ali ainda estivessem bem resguardados todos os afetos recuperáveis a cada regresso.

Hoje não se vai nem se vem mais a Jaguarão num monomotor Focker, da Varig. O vapor “Cruzeiro” já não apita na curva do rio, trazendo-nos de Porto Alegre ou levando-nos a Pelotas. Os trilhos, aqui - ou sobre três quilômetros de ponte, Uruguai adentro -, enferrujam inúteis na falta dos trens Ganz-mávag que chegavam de Montevidéu duas vezes por dia; e na ausência do inesquecível carro-motor, que saía tlaquetlaqueando pelos campos planos, nos injustificáveis meandros de seu caminho de aço, rumo a Rio Grande.

Ir a Jaguarão tornou-se difícil? - perguntará o leitor.

Não! - respondo eu. Mas, como viagem, perdeu definitivamente o encanto. Vai-se e vem-se sem sobrevôo e sem aterrissagem, sem atracação e sem apitos, sem fiambres e sem vagão-restaurante, sem tlaquetlaques e sem bolos de coalhada. Por isso, chega-se a Jaguarão sem nada, na forma a que uma equivocada política de transportes nos condenou: apenas por via rodoviária, o que implica geralmente em viajar de automóvel ou ônibus (são trezentos e tantos quilômetros de Porto Alegre; outros mesmos trezentos e tantos desde Montevidéu), por prolongados espaços despovoados, com algum gado aqui um pouco ali menos lá adiante; alguma granja de arroz; alguma soja; e quem sabe até inesperadas melancias e improváveis avestruzes. Enfim: chega-se a Jaguarão, no perder-de-vista da amplitude circular dos sempre distantes e inatingíveis horizontes do pampa; mas como vale a pena!

Jaguarão está ali, a meio caminho de Montevidéu e de Porto Alegre, entre dois pequenos cerros - o da Enfermaria e o do Cemitério - e o rio que lhe dá nome e que separa e une a cidade a Río Branco, do outro, no Uruguai. Divide (ou soma) com Río Branco a magia particular das luminosas e surpreendentes cidades da fronteira uruguaio-brasileira, de acentuada marca fronteiriça no traçado quadricular de suas ruas, na preservada unidade de sua arquitetura e na comunhão de costumes de seus habitantes. Distingue-se das outras, contudo, por causa do sortilégio paradoxal de sua ponte superlativa, que ao mesmo tempo liga e separa dois mundos iguais; e que desafia o visitante, ante sua espetacular monumentalidade de meia légua, a esgotar qualquer repertório de adjetivos.

Ir a Jaguarão e Río Branco é ir ao exterior sem sair do interior, é ir ao estrangeiro sem ser forasteiro, é sentir-se cosmopolita dentro de casa. De certa maneira, é descobrir o resto do mundo no próprio espelho, ante a conformidade das margens opostas e a repartição dos arcos da Ponte.


Sobre o cimento da belíssima Ponte Internacional Mauá, bem no meio do rio, havia um risco vermelho, separando Brasil e Uruguai: botava-se um pé aqui, outro lá, além do risco - e estava-se ao mesmo tempo nos dois países. Hoje, o risco foi apagado e substituído por uma placa; mas a cada ida e a cada volta, a cada troca de lado, a cada mágica travessia, opõem-se e complementam-se sobre a ponte o perto e o distante, o nosso e o deles, assumindo-se ante cada um de nós, em nós mesmos, o outro.

Ao entardecer, o sol aparecido no Brasil começa a desaparecer no Uruguai: do lado de cá, o leitor descerá até o cais de Jaguarão e poderá se deslumbrar com o espetáculo de cores e luzes de um inigualável pôr-do-sol varado sobre o rio, entre oito escurecentes e majestosos arcos da Ponte; do lado de lá, o leitor estará num banco da calle costaneira de Río Branco, e verá a Ponte toda dourando-se de sol e incendiando-se esplendorosa e repetida no espelho das águas.

* O escritor gaúcho Aldyr Schlee, nascido em Jaguarão, publicou 20 livros, seis deles de contos. No último ano lançou o livro “Os limites do impossível, Contos Gardelianos.”
Mas de sua história consta uma invenção identificada em qualquer canto do mundo e que faz borbulhar de orgulho a torcida brasileira: Aldyr é o feliz criador do uniforme verde e amarelo da Seleção Brasileira de Futebol.

O leitor terá chegado de manhã. Terá visto logo, nos arrabaldes, modestas casas com fachadas altas e telhados inclinados para trás, numa meia-água muito comum dos dois lados do rio - a que chamam “cachorro sentado”. Terá chegado até à Praça, ao largo da Matriz, quem sabe ao Hotel; e terá se admirado da beleza dos casarões de altas portas e tantas e tantas sacadas - que constituem ali o mais admirável e bem conservado conjunto de arquitetura eclética do Rio Grande do Sul.

O leitor contará dez sacadas na fachada do Clube Harmonia; doze, na do Jaguarense. Mas precisará encontrar um guia, quem sabe no Instituto Histórico e Geográfico, quem sabe na Casa de Cultura, para poder visitar a cidade, chegar ao museu Carlos Barbosa, à Igreja da Mi-nervina (e saber coisas, que todos sabemos, os jaguarenses; e que contamos gostosamente, mas não escrevemos). O leitor conhecerá o Teatro, as ruínas da Enfermaria, portas e portas de descomunal escultura; e admirará quantas fachadas se lhe apresentarem (o medo que se tem, em Jaguarão, é que fiquemos sempre num turismo de fachada).

Depois o leitor irá a Río Branco. Atravessará a Ponte obrigatoriamente a pé, para melhor apreciar o rio, para melhor sentir o sortilégio da ponte, e para logo - a passo, no mais - deparar-se com o outro lado e, logo logo, ver tudo de lá para cá.

Em Río Branco o leitor chegará por uma rampa da Ponte e irá a uma quesería e comprará queijos das mais variadas procedências e qualidades; comprará morrones dulces em conserva e os inigualáveis dulces de leche Conaprole - com chuno ou sin chuno. Mas deverá dar um jeito de conseguir carona ou tomar um velho ônibus para ir até a La Cuchilla, que é a parte mais alta da cidade, lá na continuação da Ponte. Em La Cuchilla, não se pode deixar de conhecer a Estação Ferroviária, dar uma volta na Praça, comprar jornais no Kiosko e provar masitas, uma torta pastaflora e uma pascualina, na Confiteria Nueva Iberia; e o leitor saberá chegar à calle Virrey Arredondo para desfrutar dessas delícias.

Se o dia estiver bonito, valerá a pena dar um jeito de ir ao balneário Lago Merín, a 20 quilômetros de Rio Branco: uma praia uruguaia banhada pela Lagoa Mirim - patrimônio da humanidade - com Cassino e a possibilidade de se comer, dependendo da época, um pintado à jaguarense ou uma traíra recém pescada.

À noite, haverá tempo para voltar a La Cuchilla e dirigir-se ao “Tacuarí” (algumas quadras depois da Ponte, à esquerda), pedindo ao Acuña, dono e assador, nada mais do que um petit-entrecot - que sobressairá do prato e, a cada bocado, justificará o fascínio daquele modesto restaurante de tiras de plástico na porta de entrada, havendo de impor definitivas certezas sobre a excepcional qualidade da carne e da parrilla uruguaias. O acompanhamento se fará com pão graseoso, cerveja Patricia e, dependendo da sorte, com as coplas de algum guitarreiro desgarrado.

De regresso a Jaguarão, é obrigatório voltar-se pelo trecho da Ponte que liga as duas partes de Río Branco, para ter o privilégio de flagrar a cidade brasileira descobrindo-se na sua própria iluminação, do outro lado do rio - e crescendo contra o céu escuro.

Depois, basta dormir e sonhar; na certeza de que ter ido a Jaguarão (e Río Branco) é não ter passado em vão pela vida.


Agora, se o leitor sabe que em Río Branco há um duty-free shop com meia dúzia de excelentes lojas com ar condicionado, vendendo a dólar produtos de todo o mundo; e deseja ir até lá só para fazer compras, essa é uma boa pedida. Mas, por favor, não entre em Jaguarão: siga até à última rua, ao fim da estrada, dobre à esquerda, em direção à Ponte sem olhar para os lados; atravesse a Ponte sem se importar com o rio; desça à direita, pela rampa, sem pensar em nada; e vá de loja em loja comprar o que quiser e puder.

Mercado Público


No ano de 2010, completou-se 20 anos que o Mercado Público de Jaguarão está amparado por legislação de proteção patrimonial, registrado por seu valor histórico no Livro Tombo, em âmbito estadual.

A ação foi efetivada de acordo com a Portaria 07/90, do Governo do Rio Grande do Sul, quando o Secretário Executivo do Conselho Estadual de Desenvolvimento Cultural (CODEC), outorgou, por fim, o reconhecimento oficial ao bem, depois de longos anos de discussões e estudos do imóvel e de seu entorno, promovidos na comunidade.

Em 1986, a partir de levantamentos realizados por uma equipe composta, em sua maioria, por alunos e professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal de Pelotas, atuante no Inventário do Patrimônio Arquitetônico Jaguarense, solicitava-se, já, a abertura do processo. Esta era uma das metas e estratégias para a conservação do prédio e, por conseguinte, do conjunto em que está inserido, propostas pelo Projeto Jaguar.

À época, apontava-se que o mercado público mantinha ainda em ativo algumas de suas funções originais, e uma das intenções da Prefeitura era a de reavivar o comércio de horti-fruti-granjeiros na forma de feiras-livres, como acontecia em outros momentos no local.

Trata-se de uma obra em estilo colonial português, erigida junto à antiga Praça do Comércio, entre os anos de 1864 e 1867. Entre os propósitos que impulsionaram a sua construção, denota-se a necessidade, então, de se ter um local para o escoamento dos produtos aportados pelo rio Jaguarão, vindos dos mais variados lugares da Província e, também, dos domínios do ultramar, tendo em vista que muitos eram os artefatos ingressos nestas paragens pela agitada zona portuária de Rio Grande.

O Mercado Público deveria promover e congregar, em especial, a comercialização de pescados e demais gêneros alimentícios de produção local, como, por exemplo, as hortaliças, frutas e legumes. Uma das grandes dificuldades da população e autoridades era, no cenário do século XIX, a manutenção de condições adequadas de higiene e asseio de espaços deste porte, levando em conta que não havia ainda redes de esgoto, elétrica e hidráulica, sendo a distribuição de água organizada por pipas.

A obra simétrica, sólida e maciça, apresenta características de fortificação em sua base, qualidade inerente e comum à estrutura da fronteira. O prédio, contíguo ao rio que deu nome à cidade que nasceu às suas margens, além situar-se em local estratégico para a vigia da divisa entre os dois países, deveria, também, ser resistente às enchentes que assolaram e demarcaram a região em determinados ciclos. Sobre as técnicas construtivas em voga, seus alicerces e paredes são em tijolo sentado em reboco de cimento e areia grossa, o telhado revestido em telha canal em capa e bica e o teto, em madeira, é do tipo conhecido como “saia e camisa”.

Patrimônio e referência de quase um século e meio de história, sabe-se que o mercado passou em sua trajetória por algumas reformas. Perdeu o lance de escadas de acesso lateral, pela rua XV de novembro, que estava quase em ruínas e, no ano de 1920, sofreu a remoção das grades circundantes que, segundo alguns relatos, foram para o Cemitério das Irmandades. Os três portões em ferro foram preservados como tal, trabalhados e com setas, mas os azulejos em cima das portas não são os artefatos originais, de acordo com informações que constam nos anexos do processo de tombamento do edifício.

Demarcado por usos diversos e pela passagem de várias gerações, partícipes de sua configuração, o mercado público está associado com múltiplos aspectos da história local e do país. Fruto de um período de exploração ampla da mão-de-obra escrava, no qual predominavam, em grande parte, os interesses de charqueadores e grandes proprietários de terra, o prédio atravessou decênios como testemunho silencioso de grandes transformações sociais. Zelar pela salvaguarda do bem implica, na contemporaneidade, o fortalecimento de iniciativas e ações conjuntas entre as diferentes esferas, o poder público - nos âmbitos federal, do estado e municipal -, o setor privado e os agentes da sociedade civil.

Para além de se preservar sua materialidade, o legado arquitetônico, o desafio reside em se trabalhar, por outro lado, a memória e as narrativas que se revelam em torno do bem, a partir de perspectivas multidisciplinares. Esta é uma das direções para o encaminhamento, por exemplo, de propostas transversais de educação patrimonial. Destacamos, neste sentido, as possibilidades de pesquisa para com as fontes orais, levando em conta a riqueza dos relatos das pessoas que têm sua história de vida atrelada à história do prédio - os trabalhadores de base, funcionários, agricultores que ali vendiam seus produtos, granjeiros e demais comerciantes.

O ideal de preservação dos mercados públicos no Brasil, faz parte de uma consciência amadurecida, em especial, nas últimas décadas, que julga importante a salvaguarda não apenas de monumentos suntuosos, representativos do ponto de vista dos setores dominantes, com valoração econômica atribuída, mas também de construções simples e integradas ao dia-a-dia das comunidades.

Considerando o elevado número de cidades descaracterizadas de seus referenciais identitários, os sítios históricos afetados pelos danos do capitalismo desenfreado, e as ameaças que circundam, permanentemente, os acervos de antigas edificações em distintos locais do país, entre as quais se destaca a especulação imobiliária, Jaguarão é percebida um rico manancial no campo do patrimônio na fronteira sulina. Cuidemos, portanto, do que é nosso.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O Clube 24 de Agosto é um Quilombo!


Para mim o Clube 24 é um quilombo! Foi isso que D. Cibele, filha de um dos fundadores do clube, disse ao ser perguntada sobre o que representava essa instituição para ela. Continuando com sua exposição, logo em seguida voltou a dizer: “para onde os negros iam quando fugiam da escravidão? Era para um quilombo, pois é isso que o 24 é!”
            Voltando para casa, pensando no me que dissera D. Cibele, e ainda sem saber que significado tinha aquilo dentro de um contexto atual, lembrei do que passara seu pai e tantos outros negros que, por não terem opção de divertimento, fundaram aquele espaço.
            O sentido de quilombo que sabiamente D. Cibele passou diz respeito à repressão sofrida pela comunidade negra, não somente em Jaguarão, mas em todo Brasil, antes e depois da escravidão. Com a escravidão o sofrimento pelos maus tratos e pela longa jornada de trabalho e pela “coisificação” do negro como instrumento de trabalho.
            Depois da escravidão, já libertos, sofreram com o processo de integração na nova sociedade capitalista, industrial e de classes, baseada nos ideais positivistas de ordem e progresso, moralista e vigilante. Na virada de um século para outro (do XIX para o XX), foi necessário forjar sua etnicidade para que fossem moralmente aceitos nessa nova ordem social.
            Neste sentido, os negros que fundaram o Clube Social 24 de Agosto, se uniram em classe – União da Classe – dentro do Círculo Operário Jaguarense e como operários (o termo operário guarda o pertencimento étnico da comunidade à época da fundação do Clube, 1918) fundaram um novo quilombo dentro da cidade!
            Portanto, ao ouvir aquelas palavras, que fizeram minha pele arrepiar, entendi que o Clube 24 de Agosto, para aqueles que o fundaram e para a comunidade atual, é mais que um espaço de divertimento para os negros jaguarenses, é um espaço de expressão e liberdade!

Texto de Juliana Nunes.
Acadêmica do Curso de História da UFPel.

Créditos da Imagem: Baile Gaúcho no Clube 24 de Agosto. Acervo particular           

Museu Dr. Carlos Barbosa Gonçalves



O Museu Dr. Carlos Barbosa Gonçalves, localizado na cidade de Jaguarão, RS, na fronteira com o Uruguay, desponta entre os mais belos acervos históricos do Brasil.
Trata-se de um prédio em estilo eclético, datado de 1886, que foi preservado, junto com sua mobília, como um ícone do requinte construtivo que predominou no sul do país, entre as classes abastadas, em fins do século XIX e princípios do século XX. O período é apontado como o ápice do desenvolvimento cultural e econômico do município que, embasado na indústria charqueadora e adquirindo gado em grande quantidade nos territórios orientais, acumulou riquezas e conquistou posição de relevo no cenário nacional.
    Da prosperidade de Jaguarão originou-se o belo patrimônio arquitetônico, a paisagem urbana reconhecida e destacada, em grande parte, por possuir conjuntos de casarios e não somente bens históricos isolados, que sobreviveram à evolução da cidade como testemunhos ou referenciais do passado.
    A construção foi dirigida por Martinho de Oliveira Braga e serviu como residência familiar do médico e político influente que atuou no meio Republicano, como um de seus principais agentes, em um momento de grande movimento e agitação na história do país.
    Carlos Barbosa Gonçalves nasceu na cidade de Pelotas em 8 de abril de 1851 e, logo na infância, passou a estudar em Jaguarão. Aos quinze anos foi para o Rio de Janeiro e obteve, primeiramente, o diploma de Bacharel em Ciências e Letras. Em 1870, na capital do país, recebeu o grau de Doutor em Medicina, então com 24 anos de idade. Em 1879, após uma estadia na Europa, retornou para a fronteira sulina e, no meio político, trabalhou em diferentes esferas. Engajado na causa abolicionista, foi presidente e diretor da Comissão de Liberdade da Sociedade Emancipadora Jaguarense e responsável pela criação do jornal A Ordem. Apontado como um dos fundadores do partido Republicano Rio-Grandense em Jaguarão, no auge de sua trajetória chegou à Presidência do Estado no ano de 1908, e nela permaneceu até 1913.
Nos últimos anos de sua atuação no cenário político, foi eleito senador da República em 1920, cargo ao qual foi reconduzido em 1927. Em 1929 renunciou às atividades por questões de saúde e faleceu, algum tempo depois, então com 82 anos, em Jaguarão.
    A ideia de preservar a residência da família como tal partiu de sua última herdeira, Dona Eudóxia Barbosa de Iara Palmeiro, filha do Dr. Barbosa e de Dona Carolina Cardoso de Brum.
Mantido através de uma fundação, responsável pela salvaguarda dos bens, o museu está aberto à visitação desde 1978. Com 23 cômodos e mais de 600 metros quadrados, seu maior destaque se dá em função da autenticidade dos artefatos que o compõe.
Ao visitá-lo, é possível se apreciar a beleza da fachada que resistiu ao tempo, com seus elementos inspirados na arquitetura greco-romana, as portas e as janelas trabalhadas artesanalmente em madeira, e observar a delicadeza das grades com filigranas, que permitem o acesso ao jardim interno da residência, ornamentam escadas e gateiras, e oferecem um rico exercício para o olhar.
    No interior do casarão se vêem os detalhes do mobiliário em sua diversidade, que comporta desde objetos cotidianos de uso pessoal à valiosas obras de arte, fotografias, têxteis, e coleções características da época, a maioria em estilo neoclássico e art noveau. O museu Carlos Barbosa possui, ainda, farta documentação primária que se encontra em estudo e organização para que, em adequadas condições de proteção e manuseio, um dia possa ser acessada por pesquisadores e interessados na área.
    Além do patrimônio da família que usufruiu do apogeu do período oitocentista, encontramos no museu um caminho que conduz à construção de conhecimentos acerca do passado por meio de leituras da cultura material.
Embora se perceba a ênfase, não são apenas os registros biográficos da passagem do médico e governante político que despontam. A investigação das coleções de objetos e soluções arquitetônicas narra interessantes aspectos sobre como as sociedades foram se organizando historicamente, e as peças em salvaguarda incidem e reconstroem fragmentos de nossa memória social.
    A imensa gama de objetos importados da Europa, localizada no acervo, alude, por exemplo, a freqüente atividade de trocas e transações entre a pequena cidade do sul do Brasil e o Velho Continente. Chama a atenção o fato de que a residência, reconhecida por ser a primeira a ter luz elétrica na cidade, conserve, até os dias de hoje, as originais lâmpadas com filamento de carbono em funcionamento.
    Para se chegar aos quartos das filhas do casal, era necessário passar antes pelos quartos dos pais. Este é um dos reflexos das relações de gênero, presentes neste contexto social, que revela o cuidado que se tinha para se conduzir às mulheres de família, em castidade, à união sacramental. Ao transitar por um universo intimista, vemos em exposição as antigas vestes e adereços usados, em constante diálogo com a moda vigente.
    As camas projetadas individualmente, pequenas e estreitas, aludem à baixa estatura de seus ocupantes. A concepção detalhada dos móveis demonstra a importância dos artífices e marceneiros, muitos deles estrangeiros, que com a perícia técnica impressionavam e tinham seu público garantido nas elites brasileiras.
O passadiço envidraçado, que circunda o belo jardim do pátio interno, foi uma projeção inovadora àquele momento, concebida com o intuito de iluminar e ventilar a casa, dividida entre cômodos de inverno e cômodos de verão.
    Em função dos riscos de infecções e contágios que assolavam o período, acreditava-se que a construção de paredes com o pé direito alto amenizaria a circulação de vírus. Em razão do mesmo motivo, a localização dos banheiros se dava comumente afastada das principais zonas da moradia. Quando o Dr. Barbosa optou pela disposição da peça no interior de seu palacete, causou impacto a decisão. Daí que, ao projetar a banheira, esculpida no próprio local de instalação, seu construtor trabalhou em mármore duas argolas, como se fossem alças de caixão, em alusão ao perigo de se dispor o quarto de banho em proximidade aos demais ambientes familiares.
    Estes são apenas alguns dos aspectos históricos e curiosidades que podem ser encontrados no local. Ao se contemplar o universo imaginário, muitos são os fantasmas que habitam o antigo casarão. Como uma ponte entre o passado e o presente, o Museu Carlos Barbosa possibilita múltiplas narrativas a partir do trabalho para com o seu acervo. Interessante para adultos e crianças é a visita guiada, conduzida pela equipe da fundação, que pode ser realizada de terça a sábado, das 9 às 11h e das 14 às 17h. O valor cobrado é de R$ 5,00 por pessoa.